Fatores de risco
Fatores de risco da obesidade
O excesso de gordura corporal é atualmente considerado importante fator de risco para a saúde e, mais especificamente, um fator “maior” de risco de doença cardiovascular ref 1,2. Isso porque, além de predispor a várias doenças crônico - degenerativas, como indicadas mais adiante, assume, atualmente, proporções epidêmicas em alguns países e crescimento rápido e progressivo em outros.
Os dados da OMS, que incluem 96 países, mostram uma prevalência global de obesidade (IMC ³ 30 kg/m2) de 8,2% contra 5,8% de subnutrição (IMC £ 17 kg/m2), com diferenças proporcionais marcantes, de acordo com o estágio de desenvolvimento econômico dos países. Assim, a prevalência de obesidade varia de 1,8% nos países mais pobres a 17,1% nas economias em transição, entre as quais se situa o Brasil, e até 20,4% nas economias mais desenvolvidas, chamadas economias de mercado, como os Estados Unidos1, país que lidera os índices de prevalência de sobrepeso (IMC entre 25–29,9 kg/m2) e obesidade (IMC ³ 30 kg/m2).
Mais da metade dos americanos acima de 20 anos (54,9%, 97,1 milhões de pessoas) apresentam sobrepeso (77,7%, 57,3 milhões) e obesidade (22,3%, 39,8 milhões); a taxa de sobrepeso é maior entre os homens (39,9%, 33,4 milhões) e a de obesos, entre as mulheres (57,8%, 23,0 milhões) – tabela 1 ref2.
Na distribuição de obesos segundo o sexo, entre as mulheres predominam as negras e as descendentes de mexicanos, e entre os homens, os brancos e os descendentes de mexicanos, sugerindo forte influência de variáveis socioeconômicas, além de étnicas.
No Brasil, dados do IBGE indicam taxas de prevalência de sobrepeso, em homens e mulheres, semelhantes às americanas, enquanto a prevalência de obesidade é 2,7 vezes menor nos homens e 2,1 vezes menor nas mulheres, mantendo-se, porém, o predomínio das mulheres – tabela 1 ref3. Em Salvador, Bahia, dados colhidos em campanhas comunitárias em três centros comerciais freqüentados por populações de distintas classes sociais, classificadas em ordem decrescente de A, B e C, indicam também variações sugestivas da influência do nível socioeconômico na distribuição da prevalência de obesidade – tabela 1 ref4.
A prevalência nos homens se aproxima da taxa do IBGE, enquanto nas mulheres é 2,5 vezes menor nas da classe A e cerca de 1,5 vez maior nas das classes B e C, embora ainda menores que a das mulheres americanas. Por sua vez, a prevalência de obesidade nas mulheres das classes C e D é cerca de quatro vezes maior do que a da classe A.
Quanto à diferença entre homens e mulheres, o predomínio das mulheres se mantém nas classes B e C, enquanto na classe A existe franco predomínio dos homens, sugerindo que aspectos educacionais levam as mulheres a um melhor cuidado com a aparência e com a saúde.
Conceito e diagnóstico
O conceito fisiopatológico de sobrepeso e obesidade está relacionado a um excesso de gordura corporal. Habitualmente, seu diagnóstico é feito pela medição do índice de massa corporal (IMC), obtido pela divisão do peso, em quilogramas, pelo quadrado da altura, em metros (IMC = kg/m²). Os valores normais estão contidos no intervalo de 18,5 a 24,9; valores entre 25 e 29,9 são considerados indicativos de sobrepeso, e iguais ou superiores a 30, de obesidade.
A OMS e a IOTF (“International Obesity Task Force”) ainda consideram a classificação de obesidade mórbida para valores ³ 40 (OMS) e ³ 35 (IOTF). Tais valores são universalmente aceitos e representam a base das estatísticas fornecidas pela OMS, “American Heart Association” (AHA) e “National Institutes of Health”, dos Estados Unidos, e pelo Ministério da Saúde do Brasil1–3. O diagnóstico de sobrepeso e obesidade, baseado na medição do IMC, apresenta, porém, vieses que merecem ser apontados e contornados.
Enquanto todo obeso tem um IMC elevado, nem todo IMC enquadrado como sobrepeso decorre, necessariamente, de obesidade. Além de excesso na gordura corporal, um aumento nas massas muscular ou óssea e na água corporal podem elevar o IMC a esses valores. É o caso de um atleta que pode ter o seu IMC elevado, mas apresentar gordura corporal diminuída e bem distribuída. Por isso, para uma melhor avaliação do risco cardiovascular, deve-se medir também ao aumento desse risco, como detalharemos mais adiante.
A medição deve ser feita na região mais estreita do abdome, e os pontos de corte considerados são 88 cm e 102 cm, respectivamente, para mulheres e homens2. Mais recentemente, a combinação da medida da circunferência abdominal (³ 90 cm) com o valor dos triglicérides (³ 177 mg/dl) permite identificar, no sexo masculino, uma população com alto risco de DAC5.
Sobrepeso e obesidade como fator de risco
Sobrepeso e obesidade constituem fator de risco de uma série de doenças, como diabete tipo 2, cardiopatia isquêmica, doença cerebrovascular, hipertensão, colelitíase e colecistite, osteoartrite, apnéia do sono e outros distúrbios ventilatórios, e algumas formas de câncer (útero, mama, cólon e reto, rins e vesícula biliar). Além disso, associam-se com freqüência a alterações metabólicas (dislipidemia, resistência à insulina), irregularidades menstruais, incontinência urinária de esforço, depressão e aumento do risco cirúrgico2.
Em relação ao risco cardiovascular, o risco relativo de diabete tipo 2, cardiopatia coronariana e hipertensão mostra relação quase linear com o aumento do IMC entre valores de 21 e 30.
Esses dados resultaram de dois estudos prospectivos observacionais: o Estudo das Enfermeiras, após seguimento de 18 anos, a partir de idades iniciais entre 30 e 55 anos, e o Estudo dos Profissionais de Saúde, com seguimento de dez anos e idades iniciais entre 40 e 65 anos6.
Em mulheres com IMC = 26, o risco de cardiopatia coronariana foi cerca de duas vezes maior que o de mulheres com IMC A maior propensão do portador de sobrepeso ou obesidade de apresentar hipertensão é evidente nas estatísticas americanas, que mostram 23,9% de prevalência de pressão arterial igual ou superior a 140/90 mmHg na população com sobrepeso (IMC entre 25–29,9) em comparação com 17,5% na população com IMC.
Alterações metabólicas
Indivíduos com sobrepeso ou obesidade exibem com elevada freqüência alterações metabólicas, como dislipidemia, resistência à insulina e diabete tipo 2, cuja importância clínico – epidemiológica deriva do fato de constituírem importante fator de risco de doença vascular, principalmente doença arterial coronária.
O fenótipo da dislipidemia varia entre hipercolesterolemia isolada (tipo A), hipercolesterolemia com hipertrigliceridemia (hipercolesterolemia tipo B) e síndrome dislipidêmica constituída por hipertrigliceridemia, HDL-colesterol baixo e LDL-colesterol normal ou elevado. A prevalência – corrigida para a idade na população americana adulta – de colesterol total ³ 240 mg/dl é de 19% para os homens e 28% para as mulheres com sobrepeso (IMC entre 25–29,9), comparada com 14,7% para os homens e 15,7% para as mulheres com IMC.
Com o grande aumento na prevalência de obesidade em todo o mundo (nos Estados Unidos, o aumento relativo foi de 64,4% entre 1960 e 1994) e
o conseqüente aumento na prevalência de resistência à insulina e diabete tipo 2, a prevalência de hipertrigliceridemia com HDL-colesterol diminuído também tem se elevado.
Atualmente, identificou-se que indivíduos do sexo masculino, com circunferência abdominal ³ 90 cm e triglicérides ³ 177 mg/dl, têm mais de 80% de chance de apresentar elevadas concentrações plasmáticas de insulina, de partículas pequenas e densas de LDL e de apo B, caracterizando uma tríade metabólica que apresenta um risco 3,6 vezes maior de DAC do que indivíduos com valores menores de circunferência abdominal e de triglicérides.
Assim, em homens, os pontos de corte da circunferência abdominal que se relacionam a um risco cardiovascular mais elevado passam de 102 cm para 90 cm se combinados a um valor de triglicérides igual ou superior a 177 mg/dl5.
Sobrepeso e obesidade vs. Mortalidade e custo social
Nos Estados Unidos, aproximadamente 280 mil mortes são atribuídas anualmente à obesidade. Indivíduos obesos (IMC ³ 30) têm um aumento no risco de morte por qualquer causa de 50% a 100% maior do que aqueles com IMC normal (20–25)2. No estudo observacional e prospectivo da “American Cancer Society”, com 14 anos de seguimento, havia um subgrupo de pessoas inicialmente sadias e que nunca haviam fumado (84.376 homens e 217.857 mulheres), minimizando, assim, a interferência de outras comorbidades ou riscos na mortalidade ocorrida. Houve 11.713 mortes (13,9%) entre os homens e 22.794 (10,5%) entre as mulheres.
O IMC, classificado como variável categórica, mostrou aumento exponencial do risco relativo de morte após a categoria de IMC entre 23,5 e 24,9, chegando a ser 2,5 vezes maior entre homens brancos e duas vezes maior entre mulheres brancas na categoria com IMC mais elevado (³ 40)7. A maioria dessas mortes foi decorrente de doença cardiovascular, havendo aumento significativo do risco cardiovascular a partir de um IMC > 25 em mulheres e > 26,5 em homens.
IMC muito elevado (³ 40) mostrou ser altamente preditivo desse tipo de ocorrência, principalmente em homens – risco cerca de três vezes maior em relação àqueles com IMC na faixa de referência (IMC de 23,5 a 24,9)7. O custo social do sobrepeso e da obesidade é elevado2.
O custo total nos Estados Unidos é estimado em 99,2 bilhões de dólares, distribuídos entre custos diretos (US$ 51,6 bilhões) e indiretos (US$ 47,6 bilhões), este último comparável aos custos econômicos do tabagismo. O custo direto de doença cardiovascular relacionada ao sobrepeso e à obesidade é de 6,9 bilhões de dólares, o que representa 17% do custo direto total de doença cardiovascular (US$ 40,4 bilhões), excluído o custo da doença cerebrovascular. O custo da hipertensão relacionada a sobrepeso e obesidade é estimado em 3,23 bilhões de dólares, o que representa 17% do custo total da hipertensão arterial.
Sobrepeso e obesidade: principais causas
Sedentarismo e excesso de ingestão calórica são as principais condições que levam à presente epidemia de excesso de peso e obesidade. Somente 22% dos americanos adultos cumprem a recomendação de se exercitar regularmente, cinco vezes por semana, por pelo menos 30 minutos, com qualquer tipo de intensidade, e apenas 15% realizam exercícios com o vigor necessário, três vezes por semana, por pelo menos 20 minutos.
Cerca de 25% informam não realizar nenhum exercício durante as suas horas de lazer. Apenas 50% dos jovens entre 12–21 anos realizam exercícios vigorosos, com regularidade, e 14% são fisicamente inativos2. No Brasil, a situação parece ser pior. Dados do IBGE de 1996 indicam que apenas 7,9% dos adultos praticam exercício físico regular três vezes por semana (10,8% de homens e 5,2% de mulheres), e cerca de 19,2% se exercita uma vez por semana.
Nas escolas, a educação física se resume, na maioria das vezes, a uma aula semanal. Quanto à questão do excesso de calorias, tem sido especulado que uma das razões do problema reside nas recomendações atuais de que a dieta saudável deve ter cerca de 50% de calorias em carboidratos,
30% em gorduras e 20% em proteínas. A redução das gorduras em favor dos carboidratos seria o principal fator responsável pela epidemia de sobrepeso e obesidade.
Contudo, além de não existirem evidências científicas a esse favor, os fatos desmentem essa afirmativa. Ainda se ingere uma dieta com um percentual de gordura superior a 30%, pois a desobediência às recomendações médicas pelos coronarianos é elevada, mesmo no contexto internacional, e ainda mais por aqueles que se consideram sadios.
Por outro lado, a maioria dos cardiologistas refere falta de tempo na consulta para recomendações alimentares mais detalhadas e, para muitos, os pacientes que merecem tais recomendações são apenas aqueles que tiveram um infarto do miocárdio8. A importância do melhor acesso às calorias é evidente quando se analisa a prevalência de subnutrição e obesidade em países com diferentes graus de desenvolvimento econômico. Pelos dados da OMS, nos países mais pobres a prevalência de subnutrição (IMC).
Conclusão
O crescimento econômico brasileiro, aliado a uma falta de educação alimentar que se estende às escolas, e o sedentarismo, facilitado pelo progresso tecnológico, tendem a agravar a epidemia de sobrepeso e obesidade, com reflexos importantes no aumento da morbi-mortalidade por doenças crônico degenerativas, principalmente as cardiovasculares. Acresça-se a isso a perspectiva de aumento na incidência de diabete tipo 2 que, além de representar importante fator de risco cardiovascular, constitui, nas classes sociais mais desassistidas, importante fator de incapacitação devido à elevada prevalência do pé diabético.É fundamental, portanto, que, durante sua formação, os profissionais de saúde sejam preparados para este desafio do século que ora se inicia. Porém, é também necessário que estratégias governamentais e das sociedades profissionais permitam educar a população – a começar pelas crianças e adolescentes – quanto aos princípios de uma alimentação saudável combinados com atividade física regular.